domingo, 19 de dezembro de 2010

De trás para frente

Se a gente pode, por que não controlar o tempo? Fico pensando que qualquer coisa que eu escrevi seja tão no passado, mas tão no passado que usar uma data errada para publicar não é mais que o certo. Essas linhas, por exemplo, são de janeiro e de 2011. Mas, quem me garante que não são de 2010?

Se eu posso controlar o tempo, não teria porque não o fazer. O próximo passo é apagar o futuro antes mesmo de ele acontecer!

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Buuu!

As madrugadas ficaram pequenas demais para tantos fantasmas. E eles perderam o medo da luz do sol. Foi o tempo que iam embora às 6 horas e me deixavam dormir. Hoje usam óculos escuros baratos comprados de algum ladrão. Ainda usam lençóis com furo nos olhos e se movimentam pelo quarto sem nenhuma forma. Há os mais depravados que usam pano transparente e exibem suas partes mais íntimas. Gostam de tirar meu sono com violência. Deixam meus olhos ficarem pesados, meu corpo quente e minha boca seca. Me deito, me cubro e me ajeito nos travesseiros. E eles chegam.

Acendo a luz e eles se escondem dos meus olhos. Ficam cochichando entre si. Dão risadinhas e se calam com respiração bem forte. Sim, eles ainda respiram. Tossem, espirram, espirram... Disfarçam. Fingem que vão embora. Dão tchau e um beijo de cada lado do rosto. Não do meu. Colocam o chapéu e dão meia-volta. Pulam em cima da minha cama, dançam tango na minha mesa jogando livros e papéis pelo quarto e usam minhas roupas como se fossem deles. Apenas uma poderia ser.

Quando se cansam, abrem a janela e somem. Eu fico com o sol forte da manhã, com o barulho dos carros na rua e com o cheiro do almoço sendo feito no apartamento de baixo. Olho no espelho e vejo, agora, um zumbi.

domingo, 31 de outubro de 2010

Ainda sobre coisas inacabadas

Eu do alto de uma arquibancada via você há três anos. Lindo. Eu me via descendo aquelas escadas de dois em dois degraus e pulando os cinco últimos. Agora, eu não pularia nem mesmo uma amarelinha para chegar a você. Até porque ao seu lado a gente sempre saí do céu e para no inferno.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Sobre coisas inacabadas

Eu invento longos e complexos diálogos em francês para simular nosso rompimento. Invento as palavras também. Ensaio a entonação das sílabas e as pausas... dramáticas. É tudo muito sussurrado. A culpa é sua que não entende e não a minha que não sei falar. Perco horas criando os olhares e gestos com as mãos. Ando de um lado para o outro, me viro e olho a paisagem na janela. Uma respiração e volto a falar. Embargo a voz e termino. Fecho a janela e me deito. Agora, vou começar a criar nas conversas devassas em espanhol.

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Vi uma foto do seu novo namorado. Gargalhada número um. Vasculhei o álbum da viagem que vocês fizeram. GARGALHADA número dois. Li todas as legendas erradas que ele escreveu. Choro de canto de olho número zero, mas com muito deboche!

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Insisto, mas nunca encontro nenhuma referência a mim nos seus textos. Nem naquele que você publicou no dia do meu aniversário.

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Você nunca vai saber o que é olhar as ondas quebrando no penhasco da Niemeyer e sentir um déjà vu. Com você o Rio não passa de um jamais vu! Mas, sejamos sinceros, você viu coisa demais para quem nasceu numa cidade cujo nome desperta riso.

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O dia que conseguir arrancar todos os dentes da sua boca, deixo de escrever para você!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Talvez fosse agosto

Num canto da casa tudo seria amontoado. Aos poucos, minha mãe ia comprando todos os objetos da decoração. Varias cores de papel crepom, cartolina, bolas de isopor, purpurina, cola, pincel, tinta e canetas hidrocor. Ela também comprava os pequenos brinquedos das lembrancinhas que eram dados em sacos de papel colorido junto com doces. Eu e meu irmão não ganhávamos nenhum deles. Por fim, na estante eram guardadas as muitas latas de leite condensado, os pacotes de trigo, açúcar e chocolate. Muitas latas mesmo. Não, não acabava. Na geladeira ainda tinha banha de porco, camarão, ovos, carne moída e uma pena de galinha.

As cartolinas eram cortadas e viravam convites. O papel crepom frisado era colado a uma bola de isopor com um rosto desenhado. Tudo trabalho de muitas madrugadas. As manhas eram reservadas para o trigo se transformasse em um bolo de vários recheios, ou em pasteis, ou em empadas que também levavam banha, sal, eram preenchidas com camarão, tampadas com massa e besuntadas com gema por uma pena.

Não havia uma só garrafa pet. Era tudo de vidro, no máximo de um litro. Muito barulho de vozes. Um entra e sai de pessoas diferentes que sempre tinha alguma tarefa para executar na cozinha. Quem não tinha nada para fazer, era obrigado a soprar bolas até ficar com a boca branca e os ouvidos zumbidos dos eventuais estouros. Logo a sala virava uma piscina de bexigas azuis e brancas que eram amontoadas em cachos e penduradas na sala.

Já era de noite, mas ainda não havia ninguém arrumado. Era hora dos banhos. Os aniversariantes, os primeiros. Apesar dos três anos de idade, as roupas eram iguais. Só as roupas. E mesmo assim teria um que perguntaria “são gêmeos”. Aos poucos conhecidos e desconhecidos se misturariam aquela decoração de palhaços. Ficariam surpresos que na hora do parabéns ninguém ali estivesse de fato fazendo aniversário.

sábado, 24 de julho de 2010

Vidinha facebook

Nas fotos ninguém tem um sorriso maior que o seu. É daqueles de orelha a orelha. Ninguém é mais feliz no Facebook que você. Suas fotos tem ângulos ousados, enquadramentos instigantes e uma iluminação perfeita. Seus amigos são bonitos, suas roupas são as melhores e suas legendas inteligentes. São viagens fantásticas, trivialidades bem retratadas, intimidades leves. Está tudo lá, separadinho por álbum, data e evento. Nas fotos sua vida é harmônica. Sua casa sempre arrumada. Seu marido não reclama, seu filho não chora e seus pais não incomodam. As contas não vencem e nem atrasam. O dinheiro sempre sobra e é dispensável quando falta. Faz a falência ser charmosa. Nas suas fotos, o Brasil tem sol 370 dias ao ano em um longo verão de dias de 24 horas de luz. A Europa é na esquina e a Argentina no meio do quarteirão – duas casas depois está o Chile. O mar está sempre calmo, a praia vazia e os bares badalados lotados com sua mesa cativa garantida. Mas, na hora que você faz logout... Tudo fica escuro assim como a tela do seu computador.

domingo, 18 de julho de 2010

Outono – primeira página

Rua da Glória. Já está de noite. Você não estava no metrô. Você não estava na esquina da Candido Mendes. Não estava. Blusa azul. Calça jeans. Cabelos úmidos. Cigarro. Sorriso. Um oi. Aperto de mão. Era verdade. O que me falaram. Aquelas paredes como Beatles não me interessavam. Nem a comida. Fazia um calor... Seus cabelos não deixavam de ficar molhados. Você não saia da janela. Era muita fumaça. No meio da noite. Eu tive dúvidas. Se me pedissem certezas naquele momento, eu ficaria devendo. Seu telefone vibrou no bolso da sua calça. Você não tinha a noite toda. E eu. A mim você já tinha.

sábado, 3 de julho de 2010

Barba fechada

Eu nunca terei a barba fechada. Nem se ficasse um ano longe do barbeador. Apenas tufos pelo meu rosto e um bigode de gato. Nunca poderei tirar uma foto com você e seus amiguinhos barbudos no bar do coração. E tenha certeza que isso é uma vantagem para você. Do contrário, eu estaria fudendo com todos eles em cima das mesas de mármore com o meu pé apoiado num cadeira pesada. As barbas ficariam esbranquiçadas e fedendo, se é que há fedor no caso. Com esse meu rosto semi liso, apenas uma porra seca terminaria na minha cara e escorreria por meu corpo. Minha cara seria de nojo. Muito nojo. Você não a perceberia porque seus olhos estariam fechados e melados.

Adoraria imaginar sua cara vermelha chamas ao ler cada uma dessas linhas. Sua boca aberta com a baba caindo. Suas mãos na cabeça de ai meu deus o que ele escreveu. Sua fúria tendo que ser engolida como o pau que você não chupou. Desculpa, não resisti e falei mais uma vergonhice. Eu nem sei se você leva à boca. Já você deve estar achando que vivo por aí atrás de saias rodadas em quartos escuros com cheiro de gala grudada nas paredes. Girando. Girando. Girando. Quase um dervixe hedonista.

Jamais terei meu rosto fechado por uma barba. E não tenho como imaginar sua cara ruborizada. Poderei fuder com todos os seus amiguinhos. Não todos juntos. E nem na mesa de mármore. É gelada e pequena. Nem meu rosto, nem o seu rosto terão sinais ou odores. Eu nunca terei você e sinto mais nojo disso do que qualquer baba na minha boca. It's unfortunate that when we feel a storm.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A geladeira

Eu me lembro daquela geladeira nojenta cheia de restos de comida estragada. Vários pães repletos de bolor. Legumes murchos. Frutas podres. Aquela vodka barata no congelador junto com pedaços de frango e costela azulados. O gelo tinha gosto de sangue. A textura dos laticínios era de dar náuseas. Cada vez que eu abria aquela porta, minha vontade era de vomitar. Tenho certeza que se meu vômito fosse espalhado pelas prateleiras seria mais comestível que qualquer coisa ali dentro. Até a água era ruim. Tinha um sabor de. Enfim, tinha um sabor, um cheiro e cor. Água tinha cor. Queria esquecer daquela geladeira em falso e com termostato desregulado. Ou era um calor que fritava os ovos quase galados na porta ou era um frio que queimava todas as hortaliças enlagartadas da gaveta. Um dia, não tenho a menor dúvida disso, vou tirar essa lembrança da minha mente. Da mesma forma que tirei você.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Os dias brancos

Os dias brancos são os mais bonitos. Não me lembro absolutamente nada deles. Fico horas pensando e o que vem a minha mente não passa de pontos pretos que se movem bem devagar. Ando de um lado para outro. Vou com a minha caneca preta na janela, olho a paisagem e nada. O vento. A chuva. O frio. Nem sinto. Abro os livros e não vejo nenhuma palavra. Os dias brancos são os mais bonitos. Eu acordo e não faço a menor idéia de que horas são. Me levanto e me confundo no caminho até a porta. Saio de casa e se me perguntarem não sei qual é o dia da semana. Nunca soube o do mês. Meus calendários não trazem datas. Dias se tornam meses muito rápido e quando eu volto a entender tudo, tento esquecer. e quem disse que eu consigo?

sábado, 22 de maio de 2010

Escada abaixo

O que aconteceu??? por favor, alguém me explica: o que aconteceu? é como se agora eu morasse em Pequim ou qualquer cidade chinesa. não tenho ideia. do nada, sem que eu percebesse, eu deixei de ser o que eu era. eu perdi o meu lugar, eu perdi meu território, separei meu espaço do tempo, perdi minha hora e tudo mais que poderia perder. mais uma vez, eu pergunto: o que aconteceu. eu era o bom amigo e virei a complicação. eu tudo e virei o nada. me diz, pelo menos uma vez, que seja a única, que seja curta, que seja obvia, mas que seja: o que aconteceu? sozinho, dessa vez, nesse momento, agora, eu não sei responder.

Nas minhas veias correm interrogações. meu coração bombeia dúvidas e meu cérebro não suporta. todas as exclamações, todos os pontos finais, tudo virou um apanhado de reticências. eu era resposta e hoje não sei o que sou. a minha mente é uma tela branca ou melhor em branco. nem isso eu sei. do meu sexto andar eu berro para que alguém me explique. do alto do morro também me esgoelo. fui jogado de olhos fechados pela escadaria. degrau por degrau, vou sendo ferido e mesmo assim não vejo o sangue sair da minha pele porque nas minhas veias há apenas interrogações. e por mais que tente e grite, eu não sei o que aconteceu!

terça-feira, 18 de maio de 2010

O tango do Manco

As luzes foram apagadas. E a música começou. O primeiro som foi o do bandoleon. Uno, dos, tres. Violão. Violão. Violão. Uno, dos, tres. Piano. Siete, ocho. Todos juntos. Não! Gritou algum numa quina da pista de dança. As luzes foram se acendendo gradualmente. Era ele, o Manco, dizendo que não podia dançar. Ele estava sentado no alto de um banco muito alto. Sim, no alto do alto. De lá, não havia nenhuma possibilidade de saberem que ele era manco – e muito menos O Manco. Não teve nenhum protesto das outras pessoas. Nem dos músicos. O Manco deu um sorriso. Era estranho. Parecia que ele também não ria direito, como se só uma parte da boca se abrisse. Era sinistro. O Manco tinha um nariz lindo. Era reto. Sem que ninguém pudesse evitar a música começou a tocar. Uno, dos... E surgiu o bandoleon. Os violões vieram na seqüência com uma rapidez ventânica. O piano ficou mudo. Todos começaram a dançar. A iluminação era bem fraca e azul. Num movimento ríspido, puxaram o Manco do banco. Ele caiu, mas logo o levantaram. Um homem sem cabelos. Ele deu as mãos ao Manco e o convidou para um dança. O Manco nem pensou em recusar. Seu primeiro passo foi um pulo. O segundo passo foi um pulo. E o terceiro passo também foi um pulo. O Manco pulava muito e assim ninguém percebia que ele mancava. Nem ele próprio. Tinha um passo mais elaborado. Ele parava no solo e levantava uma perna. Ele pulava e dava gargalhadas. Seus dentes refletiam a luz azul. Ele sorria para o teto com olhos fechados. E pulava. A pista era dele. Não havia dúvidas. Só dele!

domingo, 9 de maio de 2010

Rua Princesa Isabel

Um entrocamento da minha janela. Todas as grandes árvores foram cortadas. Pique-esconde nunca mais. Nem amigos antigos mais para isso há. É uma rua em que só conheço o começo e sempre estranho quando vou ao fim. Tão pequena e tal longa. Dizer que os melhores momentos da minha vida foram aqui é exagero. Palco dos primeiros melhores é mais realista. Muitas pequenas histórias e grandes narrativas pulverizadas em 23 anos de memórias. Mesmo assim, não quero mais voltar.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Meu eterno quarto

As paredes esperam uma mão de tinta há cinco anos. As portas, o verniz que nunca veio. O ventilador funciona bem e ajuda a espalhar por todo o quarto a poeira acumulada em todas as lembranças. Na minha frente o quadro desenhado a giz de cera com a paisagem de Praça Artigas. Perto fica o guarda-roupa quase vazio, mas cheio de caixas – não falarei delas, prometo. Aliás, nem vou abrir a porta desse armário. A direita tem a estante. Uma CPU desligada, com um modem sem conexão, xícaras e canecas, CDs diversos e desimportantes, os souvenires de viagens passadas, garrafas de coca, as esculturas de barro da década de 90, uma gaveta que não vou abrir. Mais um quadro com um desenho do Outeiro da Glória. Um aparelho de som quebrado pede para ser jogado fora. Não tocará mais Björk nele. Bem do meu lado, a minha outra estante. Apenas livros. Quase todos capixabas, quase todos não lidos e quase todos jamais serão. Mais quadros. Três que formam o conjunto “Passando por ele”. Por fim, a cama. Quase vinte anos me suportando. O colchão já cola no estrado e solta muito pó. Tudo aqui solta muito pó. Principalmente, eu.

domingo, 25 de abril de 2010

O manco

Não dava para te ver. Não dava. Era uma fumaça no rosto. Aquele cheiro. Eu não conseguia ver nada. Eu sentia as suas mãos. Não tinha noção de horas, mas sabia que já estava escuro. Ele tinha entrado no mesmo horário que eu. O atendente nos colocou em quartos lado a lado. Acho que queria criar um climinha entre nós. O máximo que rolou foram duas palavras de percurso. Nada demais. Ele ainda tirou a roupa na minha frente. Foi pro mundo. Eu também. Fiquei meio perdido. Subia e descia escadas. Era tão estranho. Abri tantas portas e nunca chegava a lugar nenhum. Alguém começou a me perseguir. Não tenha dúvidas: gostei. Fechamos a porta e ele me beijava enquanto segurava uma lata de cerveja vazia na mão. Nos esfregávamos e ele continuava com a lata. De vez em quando, ele dava uns goles. Deitamos e aquele braço estendido com a lata me incomodou. Tirei a lata da mão dele e fiz ele usar a mão com coisa melhor. Ele pediu para ir embora, eu fingi que me importava.

Você só ficava parado. Conversava com aquele tenista e eu achava tudo bizarro. O que era aquele jornalista famoso distribuindo drinks no bar? Sairia mais barato ele pagar pelo sexo. Nesses lugares, uma hora custa em torno de trinta. Cada bebida custa vinte. Só nessa rodada ele podia ter ganhado uma hora a mais. Você não bebia. Era tão magro que não duvido que nem comer comia. Tinha um nariz lindo que parecia vindo de Praga no primeiro vôo. Andava muito devagar. Bem lento. Bastante calmo. Achava que dessa forma ninguém perceberia? Imaginava que se percebesse perderiam o interesse em você? Eu sei, não se vê muitos mancos nesses lugares. Eu achava um charme você arrastando aquela perna. Jogava a direita para frente e vinha puxado a esquerda como quem fecha um compasso. No seu caso, você era o próprio círculo. Trezentos e sessenta graus preenchidos e esvaziados em segundos.

domingo, 11 de abril de 2010

Já são 7

Eu nunca lembro datas de aniversários. Não é uma questão de amor ou desgostar. Nem tem nenhuma ligação com afinidade ou qualquer sentimento de proximidade. Simplesmente esqueço. Eu tento lembrar. Crio ligações infalíveis e mesmo assim, eu esqueço. A única exceção é meu aniversário. Sempre me recordo. Não é por acaso que nasci leonino. Porém, confesso que essa seria uma data interessante de se esquecer. Só assim para ter festas surpresa. E olha que já tive duas que nem desconfiei. Talvez porque foram comemoradas depois. Justificativas na mesa, posso dizer que ter esquecido de falar sobre o aniversário da Esfera dos Intocáveis é coerente com tudo na minha vida que se diz respeito a calendários.

Já são sete anos de blog. E definitivamente, isso não é pouca coisa. Admito que não escrevo com tanta freqüência e vontade de anos anteriores. As vezes fico mais de um mês sem postar, mas isso não quer dizer que não queira mais. É estranho manter o espaço depois de tanto tempo. Quando eu leio os textos mais antigos sinto um misto de vergonha, melancolia e nostalgia. Não por um passado vivido e narrado, e sim por um futuro que eu sempre esperei e que nunca chegou. Sim, quando eu narrei muitas das minhas vivências, tinha em mente que elas me proporcionariam um futuro melhor. E de fato isso não aconteceu. E o motivo é simples: a realidade é sempre pior, não tem como.

Antes que posso ficar um ranço de pessimismo no que estou escrevendo, preciso dizer que não é nada disso. Provavelmente, muitos daqueles textos escritos jamais seriam escritos hoje. É como se eu soubesse que o futuro ali nunca iria existir e logo não basearia o meu presente nele. Hoje, me sinto melhor para não passar por diversos momentos que podem até ter me dado bons textos, mas que não me deram boas recordações. Deve ser por isso que nesses anos sempre evitei ao máximo escrever sobre passagens ruins na minha vida. Mas, o que é bom hoje, amanhã pode ser o inverso.

Acho que ainda ficou um pouco rancoroso. Última tentativa. Por mais que hoje me sinta tão distanciado do blog, sempre vem na mente os bons momentos que tive aqui. Foi um espaço que serviu para atrelar laços de amizades que duram até hoje. Para viver com força romances que não durariam nada se não fossem essas linhas. E sobretudo para me fazer mais pleno em mim mesmo. Cada vez que escrevi, escrevo (e também deixei de escrever), sinto que me amplio ainda mais para outros lugares e para dentro de mim mesmo.

quinta-feira, 18 de março de 2010

The Ring

Ninguém sabia de onde vinha aquela música. Era triste. Era sombria. E sabe-se lá como, lúdica. Era lâminas enferrujadas que entravam em meu ouvido. Um híbrido de marcha nupcial e fúnebre. Dependia de quem ouvia. Para mim, lembrava a morte. Vocês sentados embaixo daquela árvore gigante de galhos longos e vigorosos. O sol da tarde batia bem no meio dos olhos de vocês e irritava. Eu era aquela macha negra contraluz. Refletiam. Uma aliança grossa, dourada e com delicados desenhos riscados. O caminho da luz entre o sol e o anel estava cheio de frustrações. Imaginem a poeira que ronda feixes de luz. A mesma coisa. O seu anel sumia nos cabelos dele. Aquela carícia era minha. A mão dele no seu rosto. A música rasgando meus tímpanos e martelos. Resolvi engolir a música e minha garganta foi sendo estraçalhada a cada mastigada. As lâminas circulavam pelo meu corpo. Cortavam minhas vísceras e faziam o caminho sangue pelas veias. Meu coração foi moído em segundos. Era uma música fúnebre.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Desencanto Silvestre

Demorei muito tempo até descobrir que dava para ver o Cristo Redentor da Praça Cuauhtemoc. Informação desimportante. A rampa leva aquele teatro de bonecos. Nenhum guia informa isso. Aquelas grades nada protegem. Vamos ouvindo o barulho dos passos. Ritmados parecem um coração batendo. Quando se passa pelo túnel - ou seria viaduto – o som fica seco. Você me beijou pela primeira vez no ano. Perguntei seu nome por nada. A minha mão percorria seu corpo. A gente ficava de costas para a baía como se fosse um conjunto de água qualquer. E era. Tentou levar sua língua para além da minha boca e não entendeu a proibição. Eu estava ferido, por mim mesmo, ferido. Me fez ser único por menos de uma hora. Dois minutos depois beijava outro como se ele fosse o primeiro.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Tinta Fresca

O barulho começa antes das 10 horas. O sol nasce bem antes disso. O vento dificilmente entra pela janela. As paredes permanecem quase nuas. O chão de marcas de muitos outros sapatos. A cama ainda balança de um lado para o outro. A mesa levita entre a gravidade e uma base em parafusos. Roupas espalhadas pelo piso. Roupas jogadas dentro de malas. Roupas penduradas na cadeira. Os livros foram colocados em ordem, mas fora da altura dos olhos. Nem tudo foi desembalado. Há tanto espaço.