quinta-feira, 25 de junho de 2020

Mágoa de cachorra

Não acredito que você tenha respondido aquela carta que eu te enviei em 2007 com um disco  novo da Bethânia. Você disse que mandou, mas os correios tem dessas extravianças... Pode ser que alguém tenha interceptado, pode ser que o carteiro nunca tenha entregado ou se perdeu. Eu acho que você nunca escreveu nada. Não que não gostasse de mim. Não que não quisesse agradecer. “Obrigado,Leo! Linda surpresa!”  Eu também não gastaria um selo para dizer isso - mesmo a "carta social" custando 1 centavo. Você também nunca respondeu um e-mail que te mandei em 2014! Reli. Lindo e-mail apesar de não ter sido revisado, ter sido escrito no fluxo contínuo (como esse texto aqui) e no escuro (como isso aqui também). Eu adorava nossa correspondência mais que nossas fodas - que eram ótimas. Mas você sempre esperava um tapa forte na cara e eu queria um abraço depois de gozar. Transamos na sua casa, nas minhas casas. Te comi numa escada de incêndio na Alameda Lorena e você foi o primeiro a meter o pau em mim. General Polidoro, 43, apartamento 601. No chão mesmo. Um dia encontrei um esse affair seu de Buenos Aires que na verdade você conheceu em Goiânia - acho dos nossos benefícios. Ele não me reconheceu (fingiu?), eu achei que não era o momento de falar. Ele estava feio. Provavelmente, você não se apaixonaria por ele novamente. Bastava ser aquariano, não precisava ser mal vestido (mal cuidado). Anos antes, bêbado, encontrei com ele numa multidão e fui cumprimentá-lo. Ele não lembrava de mim. Eu, leonino, achei um absurdo e deixei ele na dúvida. Dois drinques a mais, eu teria escrotizado. Você nunca mais me escreveu. Acho triste, mas tem horas que acho que você é apenas uma bicha chata que escreve em meio-termo com frases soltas e humor engraçadinho decadente. Acho lindo. Aplaudo o estilo. Mas acredito que fica em de cima da torre. Libriano é assim... Você já escreveu que gostava de mim, mas eu acho que nunca gostara de você (romanticamente falando). No fundo, eu queria ser um muso nem que fosse para um dos seus textos de sete linhas (que poderiam ter oito dependendo do navegador/monitor mas que ninguém sabia na época e me rendeu julgamentos ácidos da alta poesia judaico-paulistana). Depois de um ano, deixei de esperar qualquer mensagem sua. Abstrai, mas não esqueço. Ascendente em Câncer e Marte em escorpião - tudo na Casa 1. Teve uma vez que você postou falando que ia responder demandas antigas. Fiquei na possibilidade. Adoraria voltar às cartas com você, mas acho que teria preguiça de resgatar tudo. Provavelmente, medo de perceber que já não temos nada em comum. Prefiro que um dia a gente se esbarre - porém sei que você quase não sai casa. Eu poderia aparecer na sua casa de surpresa, mas tenho medo dos seus cachorros...

domingo, 26 de abril de 2020

Calle Cerrito 124

Enquanto o timer da máquina era única companhia, duas taças de malbec timtimzavam-se. Sorria descalço. Sozinho. O trânsito fraco da larga avenida. Fálico de ponta triangular de um lado. Luminoso colorido à direita numa inversão irônica. Dias lindos de outono no Rio, mas observava a foto do Papa grande em saudação. Fotos, vídeos e desenhos. Aquela sueca preta do freeshop é melhor que luva da estação de trem para aquecer. Quando a ressaca chegar, você já estará num táxi pretoamarelo percorrendo essa mesma avenida larga. Primeira vez? Vai perguntar o condutor. Vai responder que naquele ano sim. Ano que vem vai retornar. Comentará o retrovisor. E você? Bateu a porta. E não voltou...

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Porque eu não era

Vivemos bons momentos, mas ele sumiu. Talvez porque eu não fosse vegetariano. Eu lembro bem quando escolhemos os nossos tacos naquele restaurante no-fancy fake. Pedi de camarão e carne de porco desfiada. Dividimos a conta igual. Era domingo e nem ganhei um beijo. Ou porque eu não fosse húngaro. Tínhamos a nossa distância, mas quando passamos a morar poucos quarteirões, ele não quis mais me ver. Quem sabe porque ele já estivesse transando com aquele outro cara que eu já desconfiava (comentava todas as postagens dele no Facebook e ele ainda fazia post de piada interna) e ele insistia em dizer que eu era maluco. Pode ser porque eu me recusei a ser um pai para ele e não deixei que jogasse as tarefas chatas da vida adulta para mim. Porque eu meti muito mal na nossa primeira transar e ele ficou dolorido pela minha falta de jeito. Quiçá tenha sido porque eu não era uma pessoa controlada e depois de ele fazer hora com a minha cara, marcar com todos os peguetes na mesma festa e tentar ir embora de à francesa, eu fiz um escândalo, puxei ele pelo braço no meu da rua lotada e ainda gritei mil coisas. Ele pode ter percebido que eu não seria a melhor companhia para visitar constantemente parques temáticos ao redor do mundo. Não importou que a gente tenha uma conexão, conversa agradável, um sexo incrível e que ele adorasse o gosto do meu pau na boca dele. Ou que eu fui aquela pessoa que acompanhou a angústia dele na espera do português que sempre atrasava e fazia ele desmarcar a mudança para a Europa. Por que levar em consideração uma noite agradável de queijos, vinho, judaísmo e massagens no chuveiro? Quem se importa que eu tenha tirado ele da rua e dando um lar mesmo o conhecendo há duas horas? Qual a importância de ter cogitado largar uma nova vida por uma novíssima por estar totalmente apaixonado? Deve ser porque ele não estava realmente a fim e ainda amando o ex. Talvez eu deveria ter pago a conta inteira do restaurante já que ele tinha pago pelo drinks no bar intelectual anterior. Ou simplesmente porque eu não era.
***
Eu sou aquele preferiu conversar com ele em espanhol a inglês para criar um campo neutro idiomático. Sou desses que pode se envolver a distância através do Ok Cupid e mensagens por WhatsApp. Sou uma pessoa que não fala tudo o que sente mas sabe demonstrar com exatidão cirúrgica desde que preste atenção. Eu não sou de mentir e falar que está tudo bem apenas para fazê-lo se sentir confiante. Sou maleável para dividir uma pizza sem carne mesmo quando de fato eu queria presunto. Fui aquele que passou a noite te comendo a base de vodka, energético e cocaína. Ainda sou um seguidor que vejo seus Stories, curto as suas fotos e dou print para mostrar para os amigos. Por que eu sou?

(texto sem revisão)

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Esta noite, estou rum

O barulho de pedras de gelo sarrando uma nas outras. As outras numa. Meu copo tão cheio que preciso virar de leve. Sou um corpo pesado, amor. Esses goles nem fazem ruídos. Insisto. Reforço a dose. Coloco mais gelo. Uma música para tocar... Me coloco. Deixo a janela aberta e ignoro o vendo gelado. Eu gosto de sentir frio. Visto um casaco fino. Troco por um moletom. Me esquento nos seus pelos. Hoje, você não quer beber comigo. Tomo por nós dois. Aumento o seu. Você rascunha um sorriso. Mais alto. Mais gelo. Essa noite, estou rum. Tônica, limão e Sprite. Não importo para o volume. Da música, do álcool e da sua calça... Você fala que cheguei ao determinado momento da noite em quem só me comunico com frases curtas e monossílabos ou grunhidos sem olhar nos seus olhos, nem prestar atenção nas suas respostas ou nos seus incômodos frequentes que nasceram praticamente com você há 39 anos lá naquela cidade estranha que eu nunca sei pronunciar o nome de primeira tentativa para sua ira. Gosto dessa luz baixa da sala. Procuro uma receita de molho béarnaise. Leva seis gemas. Não gosto de desmembrar ovos. Você pergunta se eu não quero um caldo. Não misturo líquidos, amor. Você sabe. Ponho uma jaqueta. Resta três dedos mindinhos de Montilla. As formas estão vazias. Não escuto mais aquela esfregação gélida. Quinze minutos e teremos um sol tímido. Arrasto as cortinas. Viro. Deito no chão congelante. Espero. Você brota e deita ao meu lado. Sinto esse barulho de duas pedras de gelo que sarram uma noutra. Só duas pedras de gelo. Sarrando. 

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Pregos áridos


Pregaram um prego na minha garganta. O que mais poderia ter sido? Milímetro por milímetro. Mesmo assim, consigo falar e gritar. Claro que doí. Obviamente machuca. Falo e grito. Mas, seleciono. Economizo a minha dor. Converso com quem vale. Grito quando necessário. Minha garganta fechada. Pregada. Rasgado estou. Você nem tem condições de saber... Vários copos de vodca pura para parar. Vodca várias vezes para extravasar. Muito vezes. Quando respiro sinto o frio do metal desse prego fincado na minha glote. Puxo o ar. E pregos vêm entrando nas minhas têmporas. Não sangro, amor. Amor também não sangro. Cerro os olhos. Bem fundo. Que venham os pregos na minha cabeça. Martelem. Martelem. Podem martelar mais. Respiro. Len-ta-men-te. Me sinto tetânico.  Os metais se ligam. Seguem uma trilha amontoada por dentro de mim. Os pregos- lembram? — agora, são ferrugem. Corre tétano pela minha memória. Estamos oxidados. Estamos enferrujados. Somos metal podre. Somos metal barato. Deixamos de ser. Viramos ferrugem. Poeira.  Um espirro fraco. Seco. Muito árido...

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O silêncio da carne podre

Você disse que não queria me ver mais porque precisava de silêncio na sua vida. Eu era ruído. Você queria saber o que poder ser. Quando você decidiu nunca mais me encontrar, eu demorei a entender que o problema era você, sua mente e o que sua mente te transformava. Nesse momento, resolvi me vingar. Por anos, pesquisei como fazer uma sala a prova de qualquer som externo. Um ambiente com silêncio quase absoluto. Quando consegui, veio a parte mais fácil: fazer você entrar lá. Sobre isso, não preciso falar, você sabe como chegou naquela sala branca e asséptica. Antes de fechar a porta, uma orientação: ouça o que vem de dentro de você. Quando quisesse sair deveria cantar “Tua” inteira. Porta fechada. Luz apagada. Silêncio. Você podia escutar tudo. O seu coração batendo. Seus pulmões inflando e se esvaziando. O sangue correndo. O mijo acumulando na sua bexiga. E merda percorrendo suas entranhas. Uma filarmônica fisiológica. Poucos minutos depois tudo começou a te incomodar. Se escutar não era bom.  Os pensamentos carteavam-se sem sentido. Você tentou pedir para sair, mas não conseguiu completar uma só palavra. Som das poucas sílabas era tão alto que te calou a boca. Você queria cantar mas não consegui. Você não podia se escutar. Dentro daquele silêncio todo, você mesmo se machucava. Dentro daquele silêncio, todo você iria morrer. E quando isso aconteceu, o único som que você merecia escutar começou a soar pela sala. O som da sua carne apodrecendo. Pena que morto,você não podia ouvir mais nada. 

Kibutz 06/01