segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Última primavera


Tinha um pequeno jardim na entrada de casa. Vasos de vários tamanhos com flores, hortaliças e plantas apenas verdes. Pendurados na parede, no chão ou em cima da mesinha que usava para tomar sol nos dias quentes. Os galhos das plantas maiores se espalhavam por todos os lados e formavam esculturas que mudavam de acordo com o vento e a chuva. Tinha dia que pareciam monstros cheios de tentáculos ramificados. Por vezes, ganhavam a aparência de anjos de presépio. Mas, às vezes apenas secavam. Iam perdendo as folhas e tombando como um corpo sem ossos. Na queda, puxavam as flores dos vasos menores, quebravam as hortaliças e por fim, ficavam cinza. O piso xadrez do chão sumia e quem nele pisasse ouviria o som de creque-creque da madeira seca. Se tivesse descalço, espinhos e farpas entrariam rasgando pela sola do pé. O sangue não jorraria. Seria sugado pelos galhos. Aos poucos uma ou outra folhinha verde começaria a nascer. Os vegetais iriam voltando a ganhar suas formas originais. Quanto mais sangue, mais beleza floral. Até orquídeas selvagens surgiam. Até o fim da transfusão de alma, o pátio ficaria como uma pequena mata fechada. Diversos tons de verde, cores e cores das flores e frutos. Algumas borboletas começavam a chegar. Pássaros pequenos, tartarugas e macacos dourados.  Quando já não restasse mais sangue, tudo já estaria tão exuberante e o sistema estabelecido. Aos poucos a clorofila iria entrar pelas artérias do pé e sumindo pelas pernas até chegar ao coração. Aos pouco o vermelho seria substituído pelo verde. Violetas surgiriam das pontas dos dedos e de dentro da orelha saíram flores de maracujá. Girassóis dos olhos, os pelos virariam alecrins e da boca sairia um último grito. Começava mais uma primavera.