sábado, 24 de julho de 2010

Vidinha facebook

Nas fotos ninguém tem um sorriso maior que o seu. É daqueles de orelha a orelha. Ninguém é mais feliz no Facebook que você. Suas fotos tem ângulos ousados, enquadramentos instigantes e uma iluminação perfeita. Seus amigos são bonitos, suas roupas são as melhores e suas legendas inteligentes. São viagens fantásticas, trivialidades bem retratadas, intimidades leves. Está tudo lá, separadinho por álbum, data e evento. Nas fotos sua vida é harmônica. Sua casa sempre arrumada. Seu marido não reclama, seu filho não chora e seus pais não incomodam. As contas não vencem e nem atrasam. O dinheiro sempre sobra e é dispensável quando falta. Faz a falência ser charmosa. Nas suas fotos, o Brasil tem sol 370 dias ao ano em um longo verão de dias de 24 horas de luz. A Europa é na esquina e a Argentina no meio do quarteirão – duas casas depois está o Chile. O mar está sempre calmo, a praia vazia e os bares badalados lotados com sua mesa cativa garantida. Mas, na hora que você faz logout... Tudo fica escuro assim como a tela do seu computador.

domingo, 18 de julho de 2010

Outono – primeira página

Rua da Glória. Já está de noite. Você não estava no metrô. Você não estava na esquina da Candido Mendes. Não estava. Blusa azul. Calça jeans. Cabelos úmidos. Cigarro. Sorriso. Um oi. Aperto de mão. Era verdade. O que me falaram. Aquelas paredes como Beatles não me interessavam. Nem a comida. Fazia um calor... Seus cabelos não deixavam de ficar molhados. Você não saia da janela. Era muita fumaça. No meio da noite. Eu tive dúvidas. Se me pedissem certezas naquele momento, eu ficaria devendo. Seu telefone vibrou no bolso da sua calça. Você não tinha a noite toda. E eu. A mim você já tinha.

sábado, 3 de julho de 2010

Barba fechada

Eu nunca terei a barba fechada. Nem se ficasse um ano longe do barbeador. Apenas tufos pelo meu rosto e um bigode de gato. Nunca poderei tirar uma foto com você e seus amiguinhos barbudos no bar do coração. E tenha certeza que isso é uma vantagem para você. Do contrário, eu estaria fudendo com todos eles em cima das mesas de mármore com o meu pé apoiado num cadeira pesada. As barbas ficariam esbranquiçadas e fedendo, se é que há fedor no caso. Com esse meu rosto semi liso, apenas uma porra seca terminaria na minha cara e escorreria por meu corpo. Minha cara seria de nojo. Muito nojo. Você não a perceberia porque seus olhos estariam fechados e melados.

Adoraria imaginar sua cara vermelha chamas ao ler cada uma dessas linhas. Sua boca aberta com a baba caindo. Suas mãos na cabeça de ai meu deus o que ele escreveu. Sua fúria tendo que ser engolida como o pau que você não chupou. Desculpa, não resisti e falei mais uma vergonhice. Eu nem sei se você leva à boca. Já você deve estar achando que vivo por aí atrás de saias rodadas em quartos escuros com cheiro de gala grudada nas paredes. Girando. Girando. Girando. Quase um dervixe hedonista.

Jamais terei meu rosto fechado por uma barba. E não tenho como imaginar sua cara ruborizada. Poderei fuder com todos os seus amiguinhos. Não todos juntos. E nem na mesa de mármore. É gelada e pequena. Nem meu rosto, nem o seu rosto terão sinais ou odores. Eu nunca terei você e sinto mais nojo disso do que qualquer baba na minha boca. It's unfortunate that when we feel a storm.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

A geladeira

Eu me lembro daquela geladeira nojenta cheia de restos de comida estragada. Vários pães repletos de bolor. Legumes murchos. Frutas podres. Aquela vodka barata no congelador junto com pedaços de frango e costela azulados. O gelo tinha gosto de sangue. A textura dos laticínios era de dar náuseas. Cada vez que eu abria aquela porta, minha vontade era de vomitar. Tenho certeza que se meu vômito fosse espalhado pelas prateleiras seria mais comestível que qualquer coisa ali dentro. Até a água era ruim. Tinha um sabor de. Enfim, tinha um sabor, um cheiro e cor. Água tinha cor. Queria esquecer daquela geladeira em falso e com termostato desregulado. Ou era um calor que fritava os ovos quase galados na porta ou era um frio que queimava todas as hortaliças enlagartadas da gaveta. Um dia, não tenho a menor dúvida disso, vou tirar essa lembrança da minha mente. Da mesma forma que tirei você.