sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Explicações (sans Freud)

Sua mãe compra e lava suas cuecas. É ela que diz o que você pode ou não fazer. Cada passo que você dá ela tem que estar ciente – sugiro um GPS. Ela escolheu sua profissão e até a faculdade que você deveria cursar. O seu lençol de cama tem o gosto dela. Da mesma forma que todas as suas camisas, calças, bermudas e lógico, cuecas. Seus namorados é ela que define – e depois dita como o relacionamento deve prosseguir. Você nunca resolveu qual seria seu corte de cabelo ou se usaria barba e bigode. Seus passos são sempre por ela vigiados, desde a compra do sapato ao jeito que você calça. O tempo do seu banho, a hora das e as suas refeições, o seu sono é ela quem determina. Agora, me diz, aqui no meu ouvidinho, se ainda não entendeu porque te acho um grande asshole !

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O Sanduíche

Provavelmente a idéia de ir àquela lanchonete metida a besta não tinha sido dele. Sempre se entediou com comidas que exigissem um ritual maior que olhar, pegar e levar a boca. Não a toa, para ele, nada mais pretensioso que culinária japonesa. Rejeitava com todas as forças o vegetarianismo por achar uma babaquice o “sentir a comida”. Apesar das restrições, era uma pessoa sociável e para ela abria várias exceções, fazia diversas concessões. Logo, dizer que estava ali forçado, de frente ao balcão, era inverdade. Mesmo com toda cara blasé, de fato, estava feliz. Tentava ser altruísta.

Pedir um sanduíche não seria um grande mistério. Escolheu o pão - “integral”, o recheio - “presunto, do de porco mesmo”. Na dúvida - ou desconhecimento - dos molhos, “não poe nenhum”. Pensou melhor. Podia não ter noção do que significava chipottle, mas compreendia o aviso de “picante” ao do nome do molho. Achou uma perda de tempo que embalassem tudo com tantas voltas de papel sendo que ele desembrulharia em coisa de cinco passos. Pegou sua bandeja e foi encontrar com ela que estava sentada numa mesa na calçada com um casal de amigos gays cinéfilos e uma amiga recém separada. Ele achava todos presunçosos. E eles sabiam disso – num um jogo da verdade, ela tinha relevado. Mas, ele não imaginava que eles sabiam e assim se comportava. No fundo, ela sentia que todos naquela mesa a invejavam. E disso, ele tinha certeza absoluta – de alguma maneira, todos passavam isso no olhar, por mais irônicas e ácidas que fossem suas palavras para ele.

Vejam como ele demorou para fazer o sanduíche. Deve estar sentindo falta da mortadela e do ovo frito – comentou uma das bichas enquanto todos riam, inclusive ele que se sentava e ajeitava o pé da cadeira preso numa das fretas do piso de madeira. Rasgou as voltas de papel que mumificavam o sanduíche com a voracidade de quem se incomoda em não ver a cor da comida. A amiga fez cara de “como ele é ogro” e começou a fala sobre a última cena do filme que eles tinham acabado de assistir num festival. Ele tinha cochilado toda a metade inicial do filme. Quando acordou e percebeu que ainda estava na “mesma cena”, resolveu voltar a dormir – acomodado no ombro dela que lhe acariciava os cabelos ainda curtos do último corte a máquina que ela tanto gostava.

Ele gostava da maioria do cinema europeu desde que falado em palavras que sinalizassem alguma emoção, coisa que não percebia em filmes nórdicos e do Leste. A amiga dizia que tudo naquele filme a lembrava do trabalho de um diretor obscuro da China que sido influenciado pela vanguarda russa e pela filosofia sul-coreana. O outro amigo gay concordou em parte. Acreditava que havia um certo resquício de cinema escandinavo alternativo do início da década de 80, o que deveria ser resultado de algum intercâmbio cultural clandestino feito pelo diretor na época em que exercia atividade diplomática na embaixada em Helsinque.

O outro gay disse, limpando seus óculos embaçados, que havia um detalhe não apontado por nenhum deles e que era fundamental para o peso da trama. Também comentou sobre que a interpretação – extraordinária E soberba – da protagonista sinalizava que mais um Urso de Prata estava a caminho e seria recusado mais uma vez, como ela fazia com todos os outros prêmios. A diva não suporta nenhum tipo de competição e sempre acredita que isso só incentiva a exploração do homem pelo homem – informou empolgado enquanto recolocava os óculos.

Ela ouvia tudo atentamente até intervir dizendo que eles buscavam explicações formalistas e que com isso não se deixavam envolver pelas cenas cuja fotografia de tão bela a fez chorar por vezes. Era como se eu estivesse tête-à-tête com todas as principais telas do expressionismo mundial fundidas. Ele se escondia atrás do sanduíche e se limitava a mastigar. Me arrepio - disse ela indicando os pelos do antebraço onde exibia uma pulseira de marfim que ele tinha comprado e ela escolhido.

domingo, 26 de outubro de 2008

Desolé (in progress)

acordei pouco depois do sol nascer. levantei e catei cada uma das três taças de vinho que me rodeava na cama. lavei a louça do jantar que estava na pia. dobrei os lençóis e arrumei a cama. dei comida para o poodle e reguei a planta. agora, finalmente, posso tentar descobrir onde estou.
não penso que isso seja uma coisa fácil. se ao menos soubesse o tempo que aqui estou. tenho medo de abrir a porta - se é que ela está fechada. nem perto da janela chego muito. queria lembrar mais do que aconteceu. queria lembrar.
fico pensando aqui. sentado. se meu olfato fosse apurado, daria para chegar a alguma pista. sempre fico com o perfume alheio na pele, mas o único cheiro que sinto é do sangue seco em minha roupa. na minha boca também não ficou gosto de nada.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Enganos

É tudo mentira. Nem gosto tanto de você assim. Você me lembra muitos dos meus casos antigos. Dos platônicos aos mais selvagens. Mas, não tem nada deles. Tudo o que a gente pensa ter em comum é uma simples criação de duas mentes ociosas. Gosto muito pouco de você e cadê vez que não deixo isso claro é porque estou mentindo. Você me conhece há tão pouco tempo, que exigir que você identificasse meus clichês seria uma covardia. Não te digo nada de especial porque nada especial sinto. Confesso que a cada momento que te iludo, me iludo também. Se te engano, a mim antes o faço.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Perché, Perché!

Sinto falta de não poder te contar sobre as minhas viagens e de não te alegrar mais com os meus presentes. Nem vejo mais muita graça em encher minhas malas de lembranças locais. Ainda não consigo escrever uma linha sobre velhice sem pensar em você. Não é possível me deparar com um rosto enrugado sem imaginar como teria ficado o seu. E cada vez que vejo alguém ficar nos bancos de cor laranja, imagino como seria divertido ter ver andar de metrô e mostrar cada uma das curiosidades do Rio de Janeiro. Era tão fácil te agradar, era tão fácil me agradar. Ainda lembro o seu número de telefone de cabeça, mas não ligo com medo que você o atenda. Perché, Perché!

terça-feira, 19 de agosto de 2008

À plus tard

Espero piamente que a morte chegue antes dos 30. Sem a menor paciência para mais que isso. Você pode até se espantar com essa afirmação, mas não ligo nem um pouco. Não me importo comigo, por qual motivo me importaria com você? Nem me importo mais em escrever esses textos pavorosos dos quais não vou me orgulhar e terei vontade de apagar em dois dias. Queimaria cada uma dessas frases, me queimaria. Queimaria tudo. Infelizmente não sou uma grande fogueira em rodas me movimentando e incinerando tudo em volta. Infelizmente não sou nem cinzas. Pelo menos espero que depois dos 30, seja só carne podre. Passar bem.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Aos 26

São 26 anos. Me lembro de 23 deles. Só fico pensando que faltam 4. E que nunca foi nem 1. imagino os próximos 10, mas verdade os próximos 9. espero a felicidade para mais de 500. E ficaria melhor com 1000, 2000, 3000. De a zero a milhares. Nunca fui bom de números - e que bastam para dinheiro. Cada vez acho que eles fazem menos sentido.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Novos Ares

O Maracanã sempre é o mesmo independente da cor que o pintem. Fico sempre especulando quando ele deixará de existir. Penso isso sobre todas as grandes construções. Nem toda demarcação é eterna. Nem todo território é fixo. Quando te vi sentado naquela sala escura, pela primeira houve. vez achei que algo estava fora da ordem. Como se me algum dia a

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Ele não deveria sentir ciúmes, ele deveria assistir a tudo como as pessoas bem territorializadas fazem. Ele deveria ser estóico, mas se fosse para fugir da sua obrigação, era recomendável que fosse agradável e risonho. E se fosse para chorar, que nenhuma lágrima escorresse e que sua voz não embargasse e que suas mãos nunca tremessem. Um sorriso largo era a única coisa esperada. Ele não deveria sentir ciúmes, mas sentiu.

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Cortázar ou Borges era uma dúvida que começava a incomodá-lo. Borges era uma coleção a ser completada, um amor a ser conquistado. Cortázar já era uma paixão, mas sempre ia a ele com a parcimônia que os sentimentos intensos pedem. Porém, cada a cada conto, o controle era algo tão complexo quanto ler Rayuella de trás para frente e sem pular.

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O sexo entre eles era bom, a ponto de se darem ao luxo de não transar mais. O beijo entre eles era perfeito e suas bocas não se tocavam com freqüência. O toque entre eles era macio, mesmo quando eles resolveram aumentar a distância.