segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Céu da boca

Um carro desgovernado. Uma estrada sem placas. Vazia. Eu podia ir para qualquer sentido. Todas aquelas opções eram sufocantes. Eu tinha medo. Tenho. Teve um momento que eu resolvi parar. Estava tudo escuro e luzes apenas de umas vaga-lumes sem muita energia. Era dessas noites sem estrela. As minhas preferidas. Mas nunca sozinho. Apavorar (estar) é um verbo que se conjuga no plural. Diferente do amar. Verbo solitário. Egoísta. Traiçoeiro como poucos. Cheio de mistério como uma estrada deserta no breu. Voltei para o carro. Chupei meu dedo indicador por duas vezes. Gosto amargo se espalhando pelo céu da boca. Acelerei. Eu dirigia concentrado em um ponto luminoso muito distante. Demorei a perceber que por mais que eu acelerasse, o ponto ficaria mais perto. Demorei a entender que por mais que eu avançasse, o ponto mais distante ficava. Precisei capotar duas vezes para perceber que eu precisaria esperar aquela luz se aproximar de mim. Eu poderia ficar sentado ali no meio da pista. Aguardando.  Pensei por alguns segundos e resolvi ir caminhando. Sem rumo. Sem nenhum receio. Sozinho.