segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

O silêncio da carne podre

Você disse que não queria me ver mais porque precisava de silêncio na sua vida. Eu era ruído. Você queria saber o que poder ser. Quando você decidiu nunca mais me encontrar, eu demorei a entender que o problema era você, sua mente e o que sua mente te transformava. Nesse momento, resolvi me vingar. Por anos, pesquisei como fazer uma sala a prova de qualquer som externo. Um ambiente com silêncio quase absoluto. Quando consegui, veio a parte mais fácil: fazer você entrar lá. Sobre isso, não preciso falar, você sabe como chegou naquela sala branca e asséptica. Antes de fechar a porta, uma orientação: ouça o que vem de dentro de você. Quando quisesse sair deveria cantar “Tua” inteira. Porta fechada. Luz apagada. Silêncio. Você podia escutar tudo. O seu coração batendo. Seus pulmões inflando e se esvaziando. O sangue correndo. O mijo acumulando na sua bexiga. E merda percorrendo suas entranhas. Uma filarmônica fisiológica. Poucos minutos depois tudo começou a te incomodar. Se escutar não era bom.  Os pensamentos carteavam-se sem sentido. Você tentou pedir para sair, mas não conseguiu completar uma só palavra. Som das poucas sílabas era tão alto que te calou a boca. Você queria cantar mas não consegui. Você não podia se escutar. Dentro daquele silêncio todo, você mesmo se machucava. Dentro daquele silêncio, todo você iria morrer. E quando isso aconteceu, o único som que você merecia escutar começou a soar pela sala. O som da sua carne apodrecendo. Pena que morto,você não podia ouvir mais nada. 

Kibutz 06/01

Nenhum comentário: