sexta-feira, 17 de abril de 2020

Esta noite, estou rum

O barulho de pedras de gelo sarrando uma nas outras. As outras numa. Meu copo tão cheio que preciso virar de leve. Sou um corpo pesado, amor. Esses goles nem fazem ruídos. Insisto. Reforço a dose. Coloco mais gelo. Uma música para tocar... Me coloco. Deixo a janela aberta e ignoro o vendo gelado. Eu gosto de sentir frio. Visto um casaco fino. Troco por um moletom. Me esquento nos seus pelos. Hoje, você não quer beber comigo. Tomo por nós dois. Aumento o seu. Você rascunha um sorriso. Mais alto. Mais gelo. Essa noite, estou rum. Tônica, limão e Sprite. Não importo para o volume. Da música, do álcool e da sua calça... Você fala que cheguei ao determinado momento da noite em quem só me comunico com frases curtas e monossílabos ou grunhidos sem olhar nos seus olhos, nem prestar atenção nas suas respostas ou nos seus incômodos frequentes que nasceram praticamente com você há 39 anos lá naquela cidade estranha que eu nunca sei pronunciar o nome de primeira tentativa para sua ira. Gosto dessa luz baixa da sala. Procuro uma receita de molho béarnaise. Leva seis gemas. Não gosto de desmembrar ovos. Você pergunta se eu não quero um caldo. Não misturo líquidos, amor. Você sabe. Ponho uma jaqueta. Resta três dedos mindinhos de Montilla. As formas estão vazias. Não escuto mais aquela esfregação gélida. Quinze minutos e teremos um sol tímido. Arrasto as cortinas. Viro. Deito no chão congelante. Espero. Você brota e deita ao meu lado. Sinto esse barulho de duas pedras de gelo que sarram uma noutra. Só duas pedras de gelo. Sarrando. 

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