domingo, 17 de novembro de 2013

Lavalle y Polidoro

Ele caminhava perdido por aquelas esquinas que insistiam em não se cruzar. Aquela vodka que fazia todas as conexões cerebrais fluírem em zig-zag. Ele parou o táxi quando viu o Obelisco. Riu das notas velhas que faziam o taxista feliz. Foi e voltou. Voltou e foi. Desceu menos de dez degraus e deve ter pagado 20 pesos. Ignorou aquele gordo horroroso que queria se prostituir sem nada oferecer. Sala 1 e aqueles olhos tristes tão lindos que era suficientes para fazer valer toda aquela volta ao lado ocidental do rio da Prata. Precisava ter certeza. Sala 2. Nada! Sala 3. Nada tampoco! Sala 4? Hay? É possível que não! Ele te seguia e você o atraia com seu corpo, sua energia e sua vontade de ganhar a noite.

Hola! Deve ter dito isso. Menos de um minuto já estava com sua língua dentro da boca dele. Camisa e meias listradas. Rayadas? Fez ele rir. Tocou todo seu corpo. Eram seres exóticos em meio àquele lugar repleto de peles mal ajeitadas. Eram lindos. Eram especiais. Aquele piso sujo. Aquele cheiro horrível. Eram ridículos por ver beleza no meio do nada. Quando ele olhou para ele, ele sabia que ele era él! Não tinha dúvidas que queria aqueles olhos que brilhavam na escuridão. Aqueles olhos que mostrariam o prazer, o carinho, o amor. É verdade que ele não tinha noção de tudo isso. Mas, ele era ele e isso bastava.

Ele falava espanhol. Ele tinha a fluência que a vodka presenteia os poliglotas. Ele ria com as coisas mais loucas que ele dizia. Ele só via o brilho dos olhos tristes. Se beijaram naquela parede suja. Viraram uma atração circense em meio a tanta sujeira. Estavam ali para redimir tudo aquilo que a hipocrisia insistia em classificar. Óbvio que foram atrás de um gozo rápido e anônimo.  Mas os planos deram errado. Ficaram além do tempo. Falaram além da conta e se apaixonaram.  Precisaram de meses para saber disso. 

Falaram, hablaram, se beijaram, se chuparam e fizeram cócegas na barriga um do outro, no ego alheio. O sol de guerra já estava a postos. Ele o levou até a Uriburu. Só tinha que pedir para o taxista seguir em frente. Sem medo. Trocaram os telefones. E nas primeiras mensagens tudo já indicava que tudo era ainda o começo de tudo. Chegou suspirando no elevador arcaico e se jogou naquele chão que lhe servia de cama como se fosse o maior king size da Argentina. Estava eufórico que deveria no sangue ter mais adrenalina que glóbulos brancos. Tinha sorte.  Na primeira noite, encontrou o amor da vida e na segunda, ouviria o canto da sereia do ártico. 

Queria contar para todo mundo. E contou. Poderia ser um iludido, mas até segunda ordem tinha conhecido “el nene”. Se sentia a prostituta amadora que acredita que aquele cliente mais carinhoso a ia tirar da zona de baixo meretrício. Estava liberta do cafetão da incerteza. Ele só pensou nele. Ele só queria falar com ele. Ele transou com outros pensando nele. E ainda teve a coragem de contar suas angústias para o outro que apenas queria que ele metesse novamente dentro dele seu prazer efêmero e seu gozo espesso. Ele era cruel. Ele ignorava o tesão alheio. Gastava todas suas notas surradas em garrafinhas de Absolut y energizante. O outro perdeu as esperanças e se foi. Ele só queria ele.  Ele não queria mais ninguém. Um hemisfério interferia no outro.

Eles se desencontraram. Ele ousou. Ele cruzou a linha do bom senso. Ele estava certo. Eles se queriam e não tinham por que não estarem juntos. Mas, Buenos Aires é longe de Rosário. Pensou em pegar um avião e conhecer mais uma cidade argentina. Não tinha dirección! Eram sms espaçados. Ele o convidou e ele aceitou. Um trânsito infernal. Uma incerteza. Tudo errado. E aqueles olhos tristes sentados esperando ele. “Qué raro es eso”, ele se limitou a dizer. Eles tinham pouco tempo. Entre o check in e a imigração, pouco sobrava. Uma foto clandestina e sem foco. Um pedido de privacidade. El Río de La Plata ao fundo. Eles se beijaram. Eles se beijaram. E aquele beijo durou um ano. Ele ainda sente o gosto daquele beijo. É doce, mas também é salgado. É um beijo salobro. Mistura da doçura e imensidão do rio com salmoura e violência do oceano. É um beijo triste com o sabor de um amor que não existe mais, mas que se moldou eterno e sem substituto. Um beijo de espera. Um beijo de paciência. 

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