domingo, 25 de abril de 2010

O manco

Não dava para te ver. Não dava. Era uma fumaça no rosto. Aquele cheiro. Eu não conseguia ver nada. Eu sentia as suas mãos. Não tinha noção de horas, mas sabia que já estava escuro. Ele tinha entrado no mesmo horário que eu. O atendente nos colocou em quartos lado a lado. Acho que queria criar um climinha entre nós. O máximo que rolou foram duas palavras de percurso. Nada demais. Ele ainda tirou a roupa na minha frente. Foi pro mundo. Eu também. Fiquei meio perdido. Subia e descia escadas. Era tão estranho. Abri tantas portas e nunca chegava a lugar nenhum. Alguém começou a me perseguir. Não tenha dúvidas: gostei. Fechamos a porta e ele me beijava enquanto segurava uma lata de cerveja vazia na mão. Nos esfregávamos e ele continuava com a lata. De vez em quando, ele dava uns goles. Deitamos e aquele braço estendido com a lata me incomodou. Tirei a lata da mão dele e fiz ele usar a mão com coisa melhor. Ele pediu para ir embora, eu fingi que me importava.

Você só ficava parado. Conversava com aquele tenista e eu achava tudo bizarro. O que era aquele jornalista famoso distribuindo drinks no bar? Sairia mais barato ele pagar pelo sexo. Nesses lugares, uma hora custa em torno de trinta. Cada bebida custa vinte. Só nessa rodada ele podia ter ganhado uma hora a mais. Você não bebia. Era tão magro que não duvido que nem comer comia. Tinha um nariz lindo que parecia vindo de Praga no primeiro vôo. Andava muito devagar. Bem lento. Bastante calmo. Achava que dessa forma ninguém perceberia? Imaginava que se percebesse perderiam o interesse em você? Eu sei, não se vê muitos mancos nesses lugares. Eu achava um charme você arrastando aquela perna. Jogava a direita para frente e vinha puxado a esquerda como quem fecha um compasso. No seu caso, você era o próprio círculo. Trezentos e sessenta graus preenchidos e esvaziados em segundos.

domingo, 11 de abril de 2010

Já são 7

Eu nunca lembro datas de aniversários. Não é uma questão de amor ou desgostar. Nem tem nenhuma ligação com afinidade ou qualquer sentimento de proximidade. Simplesmente esqueço. Eu tento lembrar. Crio ligações infalíveis e mesmo assim, eu esqueço. A única exceção é meu aniversário. Sempre me recordo. Não é por acaso que nasci leonino. Porém, confesso que essa seria uma data interessante de se esquecer. Só assim para ter festas surpresa. E olha que já tive duas que nem desconfiei. Talvez porque foram comemoradas depois. Justificativas na mesa, posso dizer que ter esquecido de falar sobre o aniversário da Esfera dos Intocáveis é coerente com tudo na minha vida que se diz respeito a calendários.

Já são sete anos de blog. E definitivamente, isso não é pouca coisa. Admito que não escrevo com tanta freqüência e vontade de anos anteriores. As vezes fico mais de um mês sem postar, mas isso não quer dizer que não queira mais. É estranho manter o espaço depois de tanto tempo. Quando eu leio os textos mais antigos sinto um misto de vergonha, melancolia e nostalgia. Não por um passado vivido e narrado, e sim por um futuro que eu sempre esperei e que nunca chegou. Sim, quando eu narrei muitas das minhas vivências, tinha em mente que elas me proporcionariam um futuro melhor. E de fato isso não aconteceu. E o motivo é simples: a realidade é sempre pior, não tem como.

Antes que posso ficar um ranço de pessimismo no que estou escrevendo, preciso dizer que não é nada disso. Provavelmente, muitos daqueles textos escritos jamais seriam escritos hoje. É como se eu soubesse que o futuro ali nunca iria existir e logo não basearia o meu presente nele. Hoje, me sinto melhor para não passar por diversos momentos que podem até ter me dado bons textos, mas que não me deram boas recordações. Deve ser por isso que nesses anos sempre evitei ao máximo escrever sobre passagens ruins na minha vida. Mas, o que é bom hoje, amanhã pode ser o inverso.

Acho que ainda ficou um pouco rancoroso. Última tentativa. Por mais que hoje me sinta tão distanciado do blog, sempre vem na mente os bons momentos que tive aqui. Foi um espaço que serviu para atrelar laços de amizades que duram até hoje. Para viver com força romances que não durariam nada se não fossem essas linhas. E sobretudo para me fazer mais pleno em mim mesmo. Cada vez que escrevi, escrevo (e também deixei de escrever), sinto que me amplio ainda mais para outros lugares e para dentro de mim mesmo.