terça-feira, 3 de junho de 2014

O drink de Veneza


Era um dos últimos a sair do restaurante. Ajudava a lavar os pratos, a recolher os cardápios e organizar de acordo com o idioma. Quando a porta metálica estava abaixada, ele tirava o colete e abria os primeiros botões da camisa. Não se importava se o gel do cabelo ainda estava fazendo efeito e se as sobrancelhas ainda estavam penteadas. Se despedia dos colegas e ia andando pelos becos segurando sua mochila. Tinha que atravessar 10 pontes até chegar a Piazza de Roma e seguir para casa.

Havia dias em que vendava os olhos e tentava acertar o caminho pelos cheiros e pelos barulhos. Se sentia mais cheiro de frutos do mar sendo cozidos é porque estava perto da Piazza San Marco e alguma coisa tinha acontecido, pois era a direção oposta. Isso dificilmente acontecia porque as vozes babilônicas e o som do tango sempre o afastava do erro. Cheiro de hambúrgueres sinalizava que não deveria ir com pressa para evitar cair no Grande Canal. Se era invadido pelo odor do Falafel, ficava feliz. O Ghetto era um dos seus lugares preferidos e sempre tentava uma vaga em algum apartamento na região.

Por conta dos horários, todo mundo achava que ele só fazia o trajeto casa-trabalho e que no máximo se divertia em alguma discoteca decadente de Mestre. Mas, ele era discreto e não falava que adorava se divertir invadindo gôndolas a noite para encontros fugazes. Muito menos que adorava deitar no chão do Campo de Santa Maria Formosa para ver nuvens. Nunca foi fã de constelações. Gargalhava Alto com algumas formas. Irônico para quem vivia em uma cidade em formato de peixe.

Nunca se atrasava, mas quando queria ganhar tempo, atravessava as feirinhas de produtos naturais e se jogava entre as Calles labirínticas como quem se move em linha reta pela laguna de Lido até a Giudecca. Chegava sempre arrumado. Tomava dois goles de Spritz que eram melhor que qualquer café expresso. Mais alguns minutos tudo estava em seu lugar e ele na porta do restaurante com sorriso na mão e ímã nos olhos. Era a isca que todo mundo queria morder.