segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Compact Disc

Foi um play naquele disc-man velho à pilha que ele insistia em usar. Mochila no colo. Sentado no banco e olhando para a janela. O ônibus navalhava a pista central da avenida da praia. O vento invadia tudo pelas janelas abertas. Todos pareciam em transe. Cansaço? “If travel is searching anda home has been found…”.  Eu vi que havia muitos lugares vazios, mas eu quis me sentar ao lado dele. Ele usava um óculos escuros wayfarer azul. Uma blusa xadrez colorida de flanela. Tinha uma barba rala, dessas que não enchem o rosto nunca e quase se parecem com sujeira, mas têm seu charme. Ele não se virou para mim. Continuou sentado olhando aquelas ondas em ressacas que faziam um estrondo quando quebravam na areia fina e branca que naquele dia estava ainda mais alva por conta da luz dos refletores da praia e da lua quase cheia.  “I’m not stopping...”.  Eu ouvia o som vazar baixinho dos seus headfones e via sua mão dançar discretamente no ar. Tinha momentos que eu podia jurar que a gente trocava olhares pelas nossas imagens refletidas na janela.  “...thought that i could organise freedom...”. Seus lábios cantavam quase afônicos. Era um sussurro bem algodoado. Seco, mas macio.

Nossas pernas se tocam nas curvas mais bruscas e nossos braços não se desgrudavam. Eu sentia a manga da sua blusa tocar minha pele. Eu tinha vontade de sentir meus dedos passeando pelo tecido, por suas costas, pelos cachos do seu cabelo. Não sentia necessidade de falar nada e nem que ele me encarasse. Não, eu não tinha vontade de tirar sua roupa e nem de beijar sua boca. Queria abraçá-lo.  Muito forte. Ele repetia compulsivamente a mesma música e eu percebia que ele dava rewind em trechos “I’m hunter. I’m hunting...”.  Por vezes, não deixava a canção terminar antes de repeti-la a exaustão. Tinha medo do skip. Dava para perceber isso. O ônibus deixava para trás outros e carros menores. A cada ultrapassagem, as rajadas de vento eram mais fortes. Eu estava com frio. Ele não se importava. A gola da sua blusa se mexia e ele, estático. Coloquei minha mão em seu ombro e esperei que ele se virasse. “Pode fechar a sua janela? Está chuviscando”. Sem virar para meu lado, ele fechou uns dois centímetros. Já não cantava mais e seus dedos permaneciam imóveis. A luz do ônibus falhou como em piques de eletricidade. Claro. Escuro. Claro. Escuro. Frio. Frio. Frio. Muito frio. Eu não sentia mais ele. Não escutava mais sua música. Ouvi um barulho vindo do teto e pela fresta da ventilação o vi sorrindo. Ele tinha um lindo sorriso que manteve no rosto enquanto escorria de lá de cima como se fosse poeira varrendo o asfalto. E cegando a vista.